segunda-feira, 27 de maio de 2013

A BUROCRACIA, A PESQUISA E O SIGAA NA UFS

Prof. Dr. Antônio Fernando de Araújo Sá
Departamento de História
Universidade Federal de Sergipe

Quando cheguei à Universidade Federal de Sergipe, em 1991, percebi que pouco se produzia do ponto de vista da pesquisa universitária e a pós-graduação não era prioridade no reitorado. O ensino era o meio e o fim da UFS em meio às mudanças ideológicas e políticas experimentadas com o avanço do neoliberalismo na política educacional no Brasil, apesar da intensa resistência dos funcionários públicos federais. Abnegados docentes se desdobravam entre inúmeras tarefas e a infraestrutura do campus era muito precária, sem muitas possibilidades de permanência nos departamentos e laboratórios. Mesmo assim publicávamos num esforço hercúleo de produzir ciência na periferia da periferia universitária.
Muita coisa mudou e vemos que hoje nossa universidade avançou, consideravelmente, na direção da integração do ensino, pesquisa e extensão. Contudo, a extensão continua não sendo prioridade nas universidades brasileiras hoje. Pior ainda é que o processo de burocratização da universidade pode prejudicar as conquistas duramente levadas a cabo pelo conjunto de professores e técnicos administrativos nas últimas décadas.
Foram implantados múltiplos mecanismos de controle social do trabalho docente e técnico-administrativo, estabelecendo um novo paradigma para se pensar a universidade. Moldou-se uma concepção hegemônica de Universidade em que o conhecimento constitui-se no principal fator de produção, o que o torna produto, mercadoria. Desde o governo Collor, a Universidade passou a ser o alvo preferencial dos grupos hegemônicos do mercado, apoiados pelas políticas de governo, na medida em que, no capitalismo globalizado, educação e conhecimento são tidos como eixos da transformação produtiva e do desenvolvimento econômico.
As inúmeras avaliações que temos vivenciado desde os anos 1990 devem ser inseridas nesse contexto, tentando consolidar uma “pedagogia” da concorrência, da produtividade e da eficiência. Isso tem levado o trabalho docente para além do campus da universidade, imiscuindo inclusive no nosso parco tempo de lazer com seus pareceres e processos administrativos. Isso tem impedido o saudável exercício do ócio criativo, fundamental como a liberdade para a produção intelectual.
Sobre esse assunto, recordo-me de um livro que marcou minha vida intelectual nos idos dos anos 1980 e que pode nos ajudar a interpelar essa burocratização da universidade brasileira. O Direito à Preguiça, de Paul Lafargue, lançado em 1980, pela editora Kairós, trazia certa simpatia pela ideologia do progresso e que o avanço tecnológico poderia ampliar nosso tempo livre, possibilitando aos trabalhadores usufruírem a cultura e o lazer. A grande repercussão deste libelo no movimento operário do século XIX, superado apenas pelo Manifesto Comunista, de K. Marx e F. Engels, pode nos ajudar a refletir para um debate que reputo como atualíssimo: a dialética entre o direito ao trabalho e o direito à preguiça. Na universidade brasileira, vivemos atualmente um processo massacrante de intensificação e precarização do trabalho docente, tendo como foco o produtivismo defendido como política de Estado, que, ao invés da libertação que o desenvolvimento tecnológico poderia nos proporcionar, o que vemos é um aprisionamento do nosso tempo livre ao mundo do trabalho.
Nos anos 1990, Milton Santos já denunciava esse processo, afirmando que a universidade não pode se preocupar apenas com a produtividade, mas criar a sua capacidade de gerar subversão e indignação.
Cada vez mais os governos de todos os matizes ideológicos têm atacado a autonomia universitária, garantida pela Constituição Federal de 1988, no seu artigo 207. Talvez a nossa incompetência em exercer esse direito tenha favorecido ações estatais de controle do processo de trabalho dos profissionais que atuam nas universidades públicas brasileiras. Esse é um processo de adequação da instituição universitária ao processo de globalização neoliberal.
A implantação do SIGAA na UFS foi uma imposição política e burocrática da reitoria sem o devido diálogo com a comunidade universitária. Não quero aqui ser confundido com algumas opiniões “ludditas” de rejeição absoluta à tecnologia e ao “sistema”, mas entendo que temos a obrigação de denunciar os problemas que sua implantação tem causado nos dois últimos anos.
Quando do seu início no ano de 2012, o “sistema” causou uma série de transtornos aos pesquisadores que tentavam preencher o formulário de registro de projetos para o Programa de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) e persistiu durante o corrente ano. O autismo da burocracia universitária da UFS impede um diálogo mais profundo sobre os prejuízos impingidos aos docentes por essas intempéries do “sistema”. Alguns inspirados estudantes que já experimentaram o “sistema” na Universidade Federal do Ceará chamam-no de “persigaa”. Não por acaso.
Interessante observar que os atuais responsáveis pela pesquisa na UFS afirmaram, pessoalmente, que o problema foi apenas comigo, mas consultando outros professores percebi que atingiu cerca de 70 professores desta instituição. Talvez o problema de comunicação entre a Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (POSGRAP) e os pesquisadores se restrinja ao meu e-mail institucional, que, aliás, não funciona como deveria numa instituição que se quer universitária. O erro, segundo a burocracia universitária, é sempre do professor-pesquisador e não do “sistema”.
Confesso que me sinto desestimulado a prosseguir num processo seletivo que não oferece alternativa quando o “sistema” não funciona. Apesar de algumas funcionalidades, aliás, muito interessantes para o exercício do trabalho docente, não podemos deixar de registrar os inúmeros problemas advindos da implantação do “sistema”, como podemos identificar no e-mail enviado pelo DAA, datado de 21 de maio último, adiando o início do próximo semestre 2013.1, devido aos “problemas na preparação da oferta e durante o processo de matrícula, ambos envolvendo o novo sistema eletrônico de gerenciamento (SIGAA)”.
Na minha modesta opinião, devemos informar aos dirigentes das instituições federais de ensino superior que eles não são apenas “gerentes” da crise universitária e sim partícipes da luta por uma universidade pública, gratuita e de qualidade.

Afinal, qual universidade queremos?

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