Prof. Dr. Antônio Fernando de Araújo Sá
Departamento de História
Universidade Federal de Sergipe
Quando
cheguei à Universidade Federal de Sergipe, em 1991, percebi que pouco se
produzia do ponto de vista da pesquisa universitária e a pós-graduação não era
prioridade no reitorado. O ensino era o meio e o fim da UFS em meio às mudanças
ideológicas e políticas experimentadas com o avanço do neoliberalismo na
política educacional no Brasil, apesar da intensa resistência dos funcionários
públicos federais. Abnegados docentes se desdobravam entre inúmeras tarefas e a
infraestrutura do campus era muito precária, sem muitas possibilidades de
permanência nos departamentos e laboratórios. Mesmo assim publicávamos num
esforço hercúleo de produzir ciência na periferia da periferia universitária.
Muita
coisa mudou e vemos que hoje nossa universidade avançou, consideravelmente, na
direção da integração do ensino, pesquisa e extensão. Contudo, a extensão
continua não sendo prioridade nas universidades brasileiras hoje. Pior ainda é
que o processo de burocratização da universidade pode prejudicar as conquistas
duramente levadas a cabo pelo conjunto de professores e técnicos
administrativos nas últimas décadas.
Foram
implantados múltiplos mecanismos de controle social do trabalho docente e
técnico-administrativo, estabelecendo um novo paradigma para se pensar a
universidade. Moldou-se uma concepção hegemônica de Universidade em que o
conhecimento constitui-se no principal fator de produção, o que o torna
produto, mercadoria. Desde o governo Collor, a Universidade passou a ser o alvo
preferencial dos grupos hegemônicos do mercado, apoiados pelas políticas de
governo, na medida em que, no capitalismo globalizado, educação e conhecimento
são tidos como eixos da transformação produtiva e do desenvolvimento econômico.
As
inúmeras avaliações que temos vivenciado desde os anos 1990 devem ser inseridas
nesse contexto, tentando consolidar uma “pedagogia” da concorrência, da
produtividade e da eficiência. Isso tem levado o trabalho docente para além do
campus da universidade, imiscuindo inclusive no nosso parco tempo de lazer com
seus pareceres e processos administrativos. Isso tem impedido o saudável
exercício do ócio criativo, fundamental como a liberdade para a produção
intelectual.
Sobre
esse assunto, recordo-me de um livro que marcou minha vida intelectual nos idos
dos anos 1980 e que pode nos ajudar a interpelar essa burocratização da universidade
brasileira. O Direito à Preguiça, de
Paul Lafargue, lançado em 1980, pela editora Kairós, trazia certa simpatia pela
ideologia do progresso e que o avanço tecnológico poderia ampliar nosso tempo
livre, possibilitando aos trabalhadores usufruírem a cultura e o lazer. A
grande repercussão deste libelo no movimento operário do século XIX, superado
apenas pelo Manifesto Comunista, de
K. Marx e F. Engels, pode nos ajudar a refletir para um debate que reputo como
atualíssimo: a dialética entre o direito ao trabalho e o direito à preguiça. Na
universidade brasileira, vivemos atualmente um processo massacrante de intensificação
e precarização do trabalho docente, tendo como foco o produtivismo defendido
como política de Estado, que, ao invés da libertação que o desenvolvimento
tecnológico poderia nos proporcionar, o que vemos é um aprisionamento do nosso
tempo livre ao mundo do trabalho.
Nos
anos 1990, Milton Santos já denunciava esse processo, afirmando que a universidade
não pode se preocupar apenas com a produtividade, mas criar a sua capacidade de
gerar subversão e indignação.
Cada
vez mais os governos de todos os matizes ideológicos têm atacado a autonomia
universitária, garantida pela Constituição Federal de 1988, no seu artigo 207.
Talvez a nossa incompetência em exercer esse direito tenha favorecido ações
estatais de controle do processo de trabalho dos profissionais que atuam nas
universidades públicas brasileiras. Esse é um processo de adequação da instituição universitária ao processo de
globalização neoliberal.
A
implantação do SIGAA na UFS foi uma imposição política e burocrática da
reitoria sem o devido diálogo com a comunidade universitária. Não quero aqui
ser confundido com algumas opiniões “ludditas” de rejeição absoluta à
tecnologia e ao “sistema”, mas entendo que temos a obrigação de denunciar os problemas
que sua implantação tem causado nos dois últimos anos.
Quando
do seu início no ano de 2012, o “sistema” causou uma série de transtornos aos
pesquisadores que tentavam preencher o formulário de registro de projetos para o
Programa de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) e persistiu durante o
corrente ano. O autismo da burocracia universitária da UFS impede um diálogo
mais profundo sobre os prejuízos impingidos aos docentes por essas intempéries
do “sistema”. Alguns inspirados estudantes que já experimentaram o “sistema” na
Universidade Federal do Ceará chamam-no de “persigaa”. Não por acaso.
Interessante
observar que os atuais responsáveis pela pesquisa na UFS afirmaram,
pessoalmente, que o problema foi apenas comigo, mas consultando outros
professores percebi que atingiu cerca de 70 professores desta instituição.
Talvez o problema de comunicação entre a Pró-Reitoria de Pesquisa e
Pós-Graduação (POSGRAP) e os pesquisadores se restrinja ao meu e-mail
institucional, que, aliás, não funciona como deveria numa instituição que se
quer universitária. O erro, segundo a burocracia universitária, é sempre do
professor-pesquisador e não do “sistema”.
Confesso
que me sinto desestimulado a prosseguir num processo seletivo que não oferece
alternativa quando o “sistema” não funciona. Apesar de algumas funcionalidades,
aliás, muito interessantes para o exercício do trabalho docente, não podemos
deixar de registrar os inúmeros problemas advindos da implantação do “sistema”,
como podemos identificar no e-mail enviado pelo DAA, datado de 21 de maio
último, adiando o início do próximo semestre 2013.1, devido aos “problemas na
preparação da oferta e durante o processo de matrícula, ambos envolvendo o novo
sistema eletrônico de gerenciamento (SIGAA)”.
Na minha modesta opinião, devemos informar aos dirigentes das instituições federais de ensino
superior que eles não são apenas “gerentes” da crise
universitária e sim partícipes da luta por uma universidade pública, gratuita e
de qualidade.
Afinal,
qual universidade queremos?
Nenhum comentário:
Postar um comentário