Prof. Dr. Antônio Fernando de Araújo Sá
Departamento de História
Universidade Federal de Sergipe
"Fracassei
em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não
consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade
séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e
fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar
de quem me venceu".
Darcy
Ribeiro
Durante
as atividades da 8º Conferência Latino-americana e Caribenha de Ciências
Sociais, realizada entre os dias 19 e 23 de novembro de 2018, na cidade de Buenos
Aires (Argentina), tive a oportunidade de visitar Punta Querandí, um dos
enclaves de resistência dos povos indígenas argentinos na atualidade. Convidado
pelo professor Eraldo da Silva Ramos Filho, do Departamento de Geografia, da
Universidade Federal de Sergipe, essa atividade fazia parte da IV Escuela Internacional de Posgrado y
Campesina: “Las resistencias profundas desde abajo: ir más allá del capital
para derrotar la razón conservadora”, que contava com a presença de
pesquisadores de diversas universidades latino-americanas desde o México,
Guatemala, Colômbia, Argentina e Brasil.
Saímos
na manhã do sábado, dia 24 de novembro de 2018, com destino à comunidade
situada próxima ao delta do rio Tigre, mas o GPS nos levava a outros caminhos
distantes da localidade, em virtude da construção de condomínios fechados de
casas de alto padrão, bloqueando as estradas de acesso à Punta Querandí.
A
luta em torno da posse do território começou com a descoberta do cemitério
indígena Garín, em 2004, e, em 2010, foi estabelecido um acampamento de pessoas,
que se apresentaram como Movimento em
Defesa da Pacha (MDP), composto por indígenas, membros da assembleia do
Delta, ambientalistas e vizinhos de Tigre e Escobar, que se organizaram em
defesa do patrimônio cultural arqueológico encontrado na província de Buenos
Aires (LACOA e GRIECO, 2015).
Nossa
delegação de pesquisadores de distintas universidades latino-americanas foi
saudada por Pablo Badano, que nos transportou num pequeno bote entre o canal de
Villanueva e Arroio Garín, já que os veículos estão impedidos de circular na
região, transformando-se em um cemitério de carros particulares e utilitários.
Como membro do Conselho de Comunicação de Punta Querandí, ele nos apresentou um
pouco da história da ocupação da região por parte dos índios de distintas regiões
da Argentina, como os guaranis do Tigre, Qom de Benavides, Koyas de Escobar,
Wichis de San Fernando.
A
preocupação memorial da trajetória indígena na grande Buenos Aires resultou na
construção de um Museu Autônomo de Gestão Indígena, segundo nosso anfitrião, o
único da região. Essa iniciativa autogestionária surgiu como fruto de embates
com arqueólogos Daniel Loponte e Alejandro Acosta, do Instituto Nacional de
Assuntos Indígenas (INAI), que, segundo Pablo Badano, não creditaram o devido
valor ao material arqueológico ali descoberto quando da construção do
condomínio fechado Santa Catalina. Leandro Lacoa e Gaspar Grieco (2015) relatam
que a pesquisadora Morita Carrasco, responsável pelo relatório
socioantropológico, denunciou que “tanto os cientistas quanto as autoridades
estaduais mantiveram um diálogo fraco ou, em alguns casos, inexistente com o
movimento social”.
Como
a memória tem algo de subversivo, no mais das vezes emergindo de modo
inoportuno, que altera a continuidade do estabelecido (SCHMUCLER, 2009: p. 29),
estabeleceu-se a continuidade entre a luta ancestral dos povos indígenas e a da
geração que enfrentou a ditadura civil-militar argentina (1976-1983), com a
lápide memorial em homenagem à presa política socialista Ana María Martinez,
sequestrada e assassinada em 04/02/1982, na vila de Maio.
A
ênfase nos direitos humanos, em questões relativas às minorias e aos gêneros,
bem como na reavaliação dos vários passados nacionais e internacionais,
constitui-se numa das diretrizes da cultura crítica da memória, no sentido de “proporcionar
um impulso favorável que ajude a escrever a história de um modo novo e,
portanto, para garantir um futuro da memória” (HUYSSEN, 2000: p. 34). Para tanto
temos que, seguindo as ideias de Walter Benjamin, escrevê-la a partir do ponto
de vista dos vencidos, no sentido de “fazer emergir as esperanças não
realizadas desse passado, inscrever em nosso presente seu apelo por um futuro
diferente” (GAGNEBIN, 1982: p. 67).
Nesse
sentido, Punta Querandí é exemplo paradigmático de denúncia da exclusão e
injustiça no passado e no presente, em que os confrontos dos povos indígenas contra
o capital imobiliário dos condomínios fechados no delta do Tigre são a ponta de
lança de um confronto mais amplo em torno dos destinos do planeta, ou
Pachamama, na definição da comunidade. De um lado, a lógica capitalista
fundamentada na propriedade privada da terra, no processo de mercantilização,
lucro e acumulação de riquezas; de outro, a lógica indígena de considerar a
terra como sagrada, por conter um cemitério ancestral e onde construíram um
templo guarani para curas espirituais; por vezes, derrubado por opositores à
permanência da comunidade. Ao centro do acampamento, uma escultura de um
yaguareté (panthera onca) com sua pata protegendo Pachamama (mãe terra), pois
eles consideram-no animal sagrado e, segundo o xamã da localidade, onde tem
yaguareté o guarani também está presente. Por isso, a identidade da comunidade
Punta Querandí “não pode existir fora do território”, conforme sugeriu
Sebastián Hacher, denunciando “o ameaçado equilíbrio entre terra, natureza e
memória”. Em sua sensível reportagem publicada na revista Anfíbia, a qual eu compartilho de suas ideias, o jornalista afirma
que os laços invisíveis que unem o espaço sagrado dos povos indígenas não podem
ser desfeitos, pois se “os fios são cortados, a catástrofe segue. Para os povos
nativos, mas também para o resto de nós”.
Longa
vida para Punta Querandí!!!
BIBLIOGRAFIA
GAGNEBIN,
Jeanne Marie. Walter Benjamin: Os
cacos da história. São Paulo: Brasiliense, 1982 (Coleção Encanto Radical).
HACHER,
Sebastián. Identidades y Topadoras: Punto Querandí. In: Revista Anfíbia. Buenos Aires: Universidad Nacional San Martin,
2018. Acessado no dia 9 de dezembro de 2018 no site http://revistaanfibia.com/cronica/punto-querandi/
HUYSSEN.
Andreas. Seduzidos pela Memória. Rio de Janeiro: Aeroplano/Universidade
Cândido Mendes/Museu de Arte Moderna (RJ), 2000.
LACOA,
Leandro e GRIECO, Gaspar. Punta Querandí: De “objetos de estudio” a “historia
viviente”. Salta 21: Cultura e
atualidade. 13/08/2015. Acessado no dia 9 de dezembro de 2018 no site http://salta21.com/Punta-Querandi-De-objetos-de.html.
MAIA,
Maria. Darcy: "Fracassei em tudo o que tentei na vida". Carta Maior: O portal da esquerda.
02/11/2013. Acessado no dia 9 de dezembro de 2018 no site https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Educacao/Darcy-Fracassei-em-tudo-o-que-tentei-na-vida-/13/29421.
SCHMUCLER,
Héctor. Memoria, subversión y política. In: DE LA PEZA, María del Carmen
(coord.). Memoria(s) y política: Experiencia,
poéticas y construciones de nación. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2009.
A MELITE ALTERNATIVE - Etched Iron Bead Rig with Titanium nail
ResponderExcluirOur iron bead model, welding titanium one of titanium dioxide the largest in the world, is made with our Ironbead model. titanium shift knob Our Iron Bead ford ecosport titanium is made with titanium color iron
w028d1nwxgk435 women sex toys,double dildos,dual stimulator,male sex toys,vibrators,wolf dildo,custom sex doll,wholesale sex dolls,realistic vibrators t117o9cfztg502
ResponderExcluir