PARA HOMENS
Convencer é infrutífero
Walter Benjamin
Depois
de uma caminhada na praia de Atalaia, percebi que meus cabelos estavam
revoltos, como meu velho fusquinha 68. Decidi apará-los, junto com os da venta.
O calor de setembro estava, como de costume, abrasador no centro da cidade.
Apressado, não encontrei vaga no estacionamento costumeiro. Senti saudades de
quando morei no edifício Teófilo Dantas, duas décadas atrás. O ritmo da cidade
está incompatível com meus cabelos brancos. Barbosa fumava um cigarro na
entrada do salão Unidos, símbolo da resistência do velho ofício de barbeiro. Como
as barbearias, as livrarias do centro fecharam quase todas. Poucas são as
lembranças da mitológica livraria Regina, que não tive a oportunidade de
conhecer. Até o Cacique Chá fechou.
Depois
do corte rotineiro, resolvi comer o tradicional acarajé próximo à Catedral. O saboroso
tempero da baiana continua o mesmo, mas, como a cidade, tinha pressa em chegar
ao trabalho. De súbito, deparei-me com uma estátua representando a memória
indígena em Sergipe. O lixo ao redor sugeria que os transeuntes apressados, há
muito, não prestavam atenção naquele monumento.
Curioso,
perguntei aos memorialistas e historiadores da cidade sobre aquela estátua, sem
encontrar respostas, simples alusões que levavam ao esquecimento. Todavia, o
acaso me trouxe um artigo do arguto jornalista Paulo Costa, no Sergipe-Jornal, de 23 de março de 1950, sobre
o parque Teófilo Dantas como exemplo da inteligência criadora de Corinto
Mendonça. Para o jornalista, a beleza paisagística, que emanava no “Lago das
Ninfas”, na “Cabana dos Índios”, na “Cascata” e no “Aquário”, realçava o encantamento
estético da cidade que se modernizava nos anos 1950. Contudo, a mutilação da
obra já era percebida por Costa, explicando que os artistas “nesse Sergipe
comercialista e utilitarista por excelência, não merecem as atenções do poder
público”. Dessa crônica, surpreendeu-me ideias tão atuais, ainda que escritas
em antanho.
Fotografia do autor (22/09/2012)
A
cena foi tão impactante que fotografei, com a câmara do celular, a estátua faz
um ano, mas somente hoje consigo escrever essas mal traçadas linhas. Sabemos
que as praças públicas se constituem em fontes imprescindíveis para a história
local, pois possibilitam refletir as ações, às vezes inações, das gestões
municipais, bem como são lugares de memória para pensarmos a cidadania.
O
registro talvez não possa trazer detalhes significativos para o leitor, por
conta da qualidade do meu celular, que não acompanhou a incrível velocidade da
tecnologia. Contudo, de imediato, saltou-me à lembrança o sugestivo livro de
Ariosvaldo Figueiredo sobre os índios de Sergipe, intitulado Enforcados (1981), revelador do caráter
cruento da história de Sergipe e da extrema violência das classes dominantes
contra os índios e seus remanescentes. Caía por terra a imagem romântica e
idealizada da representação do índio que o monumento traduzia à época de sua
inauguração. O índio, ao longo da história do Brasil, resistiu bravamente à
ocupação do seu território, à sua eliminação física (genocídio) e cultural
(etnocídio). A estátua não dava conta dessa altivez identitária. O braço
arrancado do índio e a cabeça destroçada da índia simbolizam o massacre dos
índios sergipanos. Até quando manteremos a mentalidade colonizadora da cultura
europeia em terras brasileiras? Será que a opinião pública brasileira ficará
omissa com o extermínio físico do índio e a apropriação de suas terras? Isso é
uma afronta ao decoro de uma nação que se quer civilizada e não podemos
considerar os índios como ruínas de povos, como o fez Von Martius no século
XIX. Eles são, histórica e culturalmente, o diferencial entre nós e os outros.
O direito à memória e à vida são os bens que podemos deixar para redimir-lhes
da opressão secular da modernidade.
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